27 # angra | 18.02.2012 | linhas ancora

Em Angra, ainda persistem alguns sinais de um passado recente, que a nível gráfico, são muito curiosos.
A propósito desta fotografia a Ana Lúcia Almeida, escreveu a crónica que podem ler abaixo da imagem.
Obrigado Ana.




Segue uma crónica sobre o comércio tradicional a propósito de uma crónica do António Araújo.


Âncora

Encantou-me a fotografia de um reclamo luminoso em que, num canto qualquer da cidade só avistado por olhos de ver, como os do António Araújo, uma âncora vermelha publicita há anos as qualidades das linhas desse nome.


Se há coisa a que nunca resisti, foi àquelas meadinhas de cores impecavelmente enfaixadas, que, ao menor descuido, se emaranhavam num sarilho sem remédio.


Havia os que acumulavam cromos repetidos, outros faziam desfilar bonequinhos da Isbá e exibiam brindes do sabão Extra. Eu enfileirava cores no fundo de uma caixa de cartão, esticando um arco-íris a que não apetecia o fim.

Era todo um ritual que começava pelo poupar dos escudos suficientes para poder comprar ao  menos três duma vez .

No  Farinha, onde hoje é um laboratório de análises clínicas, tinham uma espécie de bancada tipográfica, cheia de gavetinhas, que, em vez de letras, guardava meadas de todas as cores. Passei horas naquela loja. Do outro lado do balcão, de bata de sarja cinzenta e óculos presos num fio de contas, a caixeira ia e vinha, desenrolando peças de flanela às florzinhas, medindo elástico roliço e descobrindo os botões capazes de certeiramente combinar com a amostra exibida pelas mais exigentes das freguesas. A cada ida, a cada vinda, acrescentava um novo tabuleiro à babel que me ia crescendo na frente, sem trejeitos impacientes nem excessos delicodoces.

Mais que balcões de pinho resinoso, caixas empilhadas, montras mais ou menos atulhadas, guarda-chuvas ao sol e bandeirinhas vermelhas a assinalar, são pessoas como a D. Carmelo que, com a sua benevolência cortês, a sua atenção prestável, o seu conhecimento do que lhes passa pelas mãos e a sua capacidade de intuir as necessidades e respeitar os tempos de quem tem pela frente que fazem com que um espaço se torne tradição. A tradição é onde se volta outra vez. É tempo do comércio dito tradicional se tornar tradição.

Crónica de Ana Lúcia Almeida

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